Algumas fotos
Perfis
Contraluz 2
Auto-retrato
Um vídeo
E a minha despedida. Fui.
Um abraço do
Amilcar
Perfis
Contraluz 2
Auto-retrato
Um vídeo
E a minha despedida. Fui.
Um abraço do
Amilcar
De alguma forma estava explicado para mim o incidente da outra noite numa zona tão central de Istambul. Evidentemente, se era tão fácil comprar uma arma, incidentes como aquele (e até mais graves) deveriam ser corriqueiros por aqui.
Aí o Tadeu chegou.
É, o Tadeu Jungle, que veio fazer umas imagens para o documentário sobre o projeto. Andamos um pouco por todo o canto e, claro, levei ele à galeria onde se podia comprar uma pistola como quem compra banana na feira.
Também ele se mostrou surpreso, claro, mas logo em seguida fez uma observação que eu ainda não tinha formulado, embora ela tivesse ficado no ar, traduzida por « alguma coisa estranha » que eu via naquelas armas.
A observação do Tadeu : « Mas será de verdade mesmo ? »
Eu não conheço nada de armas, acho que nunca peguei num revólver na minha vida, e os únicos tiros que dei foram com espingardas de pressão, ainda na infância. Mas de fato, havia alguma coisa ali, além da exposição descarada das armas, que as tornava inverossímeis. Resolvemos perguntar. E o Tadeu teve a confirmação daquilo que talvez ele já soubesse desde o início mas que, por delicadeza, não teria sido enfático e fechado a questão antes : as armas não eram de verdade, apesar da incrível semelhança com armas de verdade, tanto na forma, tamanho, quanto no tipo de material, e disparavam tiros de espoleta.
Imediatamente pensei nos tiros da outra noite. Sim, deveriam ter sido de espoleta também. Isso explicaria a aparente calma das pessoas à minha volta, o que antes eu havia creditado a um certo torpor etílico das duas da manhã.
Mas ainda assim permanecia inexplicado — e mesmo o vendedor não soube dizer claramente, acho que menos em função do seu inglês trôpego do que pela real falta de explicação lógica — o motivo pelo qual as pessoas compram esses « brinquedos ». Não são crianças que os compram (eu já havia presenciado várias pessoas, homens todos, experimentarem e levarem as « pistolas »). Coleção ? Diversão ? Uma forma de sublimar o instinto de violência ?
Halil, uma entre algumas pessoas que acabei conhecendo aqui por meio de uma cascata de indicações de amigos de amigos de amigos de amigos de amigos que são de, ou que moraram em Istambul, me disse que não foram poucas as vezes em que acidentes fatais ocorreram quando uma dessas armas de brinquedo encontrou outra de verdade. Halil também não soube explicar o porquê de as pessoas comprarem essas « armas » ; disse que parece que algumas as usam para « se protegerem » em discussões no trânsito, por exemplo, ou mesmo de assaltos. Mas não soube explicar exatamente, terminando por fazer a constatação de que « os turcos gostam de armas, gostam de portar uma arma, especialmente os jovens, mesmo que seja de brinquedo ».
Não é uma generalização, apenas uma tentativa de explicar algo que, para quem não está acostumado, à primeira vista parece inexplicável.
Porém, e novamente sem querer generalizar, atitudes ligadas à demonstração de virilidade ou agressividade estão presentes em todo o lado, desde os hooligans de todos os países até a maneira de dirigir um automóvel, passando pela escolha dos modelos mais possantes, as academias de inchação de músculos, os pitbulls (humanos e caninos), etc, etc, etc.
Enfim, a lista seria numerosa, o homem, porém, é um só, em qualquer lugar do mundo.
Desde que cheguei mantenho um diário onde anoto religiosamente, com um senso do dever digno de um aluno cdf (que fui, aliás), todos os meus passos em Istambul. Meu objetivo é que eles sirvam de apoio à memória, que sirvam quem sabe para despertar algumas associações durante o espanto de uma leitura afastada no tempo. Da mesma forma já visitei as principais mesquitas e monumentos históricos, do contrário meus amigos franceses não compreenderiam nada na minha volta. São os campeões absolutos na modalidade turismo cultural. Prolíficos produtores de guias de viagem, dedicados visitantes de museus, igrejas, mesquitas, sinagogas, monumentos que eles vão, com uma abnegação comovente, ticando um a um na margem esquerda das páginas do seu guia. Antes de sair de casa, eles lêem sobre a história do país a visitar, a política, aprendem algumas palavras no idioma local, são capazes de falar sobre a culinária do país e citar alguns pratos típicos que vão, invariavelmente, buscar nos menus dos restaurantes indicados pelo Routard, Michelin ou pelo Guide Gallimard, já que o poder aquisitivo pode ser diferente mas o cartesianismo permanece inalterado. Não, eles não compreenderiam se eu dissesse que fiquei trinta dias em Istambul sem fazer nenhum dos circuitos que se « tem » que fazer em Istambul, apenas escutando-a, percorrendo-a.
Aliás, muita gente não compreenderia.
Infelizmente (ou felizmente) quem quiser conhecer Istambul vai ter que vir aqui. Se quiser encontrar o que acha que deve encontrar em Istambul ou confirmar a idéia que tem da cidade, compre um guia, qualquer um serve — os franceses, por exemplo, são ótimos.
Não tenho nenhuma informação para passar, o máximo que posso fazer é levar ao paciente leitor desse blog algumas reflexões sobre o tipo de encontro com uma cidade que um projeto como esse do Amores Expressos possibilita.
Mas como toda paciência tem limite, e como ao invés da cidade já começo a ouvir suspiros, tossezinhas e ruídos de movimentos em busca de uma melhor posição na cadeira, termino aqui este post.
Com a esperança de que ele não tenha ajudado ninguém a saber um pouco mais sobre Istambul.